segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Idosa de 79 anos faz do aeroporto Salgado Filho a própria casa

Idosa de 79 anos faz do aeroporto Salgado Filho a própria casa Diego Vara/Agencia RBS
Isaura passa os dias lendo e falando sobre a Bíblia 

De lenço branco na cabeça, uma inusitada passageira a chama atenção de quem passa pelo aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Se não fosse pelos cartazes coloridos que carrega ou pela reza em voz alta a ecoar pelos corredores, seria ainda perceptível pela simplicidade que traz no olhar delicadamente azul.

Isaura Lopes, 79 anos, está há duas décadas peregrinando pelas capitais brasileiras em jornadas cristãs que duram 20 dias. Com ajuda de passageiros e aposentadoria, compra as passagens e se fixa em terminais fazendo de assentos, banheiros e restaurantes móveis e cômodos de sua própria casa. É como se fosse um lar concedido por Deus e não questionado pela Infraero. A estatal vê Isaura como uma viajante comum, com bilhete de partida comprado.

Desde 5 de outubro, passa os dias lendo a Bíblia, orando por passageiros e conquistando funcionários do maior aeroporto do Estado. De longe, há quem fotografe a senhora que se veste como se fosse uma freira. 

Mas somente aqueles que param ao seu lado compreendem o que a carteira de identidade, o CPF, o título de eleitor e os bilhetes do próximo destino — os únicos documentos que carrega na bagagem — não revelam.

Isaura já se julgou amaldiçoada. Não conquistava seus principais desejos enquanto jovem e se revoltava sem entender o porquê. Então ouviu de Deus que sua vida não era terrena. Se tinha os pés no chão, sua alma estava no céu. Por isso voa, sem medo de altura.

Ela não tem família. Nasceu no sertão pernambucano onde completou o primeiro grau, noivou e preparou todo o enxoval. E onde abandonou tudo para seguir em uma eterna viagem pelo Brasil. Em nome de Deus, deixou o sonho de ser mãe. E não se arrepende.

Isaura tem apenas uma kitnet alugada em Valparaíso-GO, mas nem lá se sente em casa. Está tão acostumada com os aeroportos que quando dorme na própria cama sente dores nas costas. Para ela, o conforto é se espalhar por um assento de 1m², mas cuidadosamente higienizado com lenços de papel e álcool gel. Ela não ouve. Começou a perder a audição aos 38 anos.

— Orava muito para não ficar surda. Um dia, ouvi de Deus: Isaura, os sons da terra são muito desafinados com os sons celestiais, melhor é não ouvir — explica a velhinha.

Isaura conjuga verbos e pronomes possessivos na segunda pessoa do plural. É porque apesar de estar, não se sente sozinha. Toda sua vida é uma obra conjunta. Na assinatura, está Isaura. E seu amigo número 1, Deus. Ela fala alto, coloca palavras difíceis em seu discurso. Tem sempre um papel a mão para que as pessoas possam lhe perguntar o que bem entenderem. A resposta será invariavelmente finalizada com uma longa e cativante risada.

Isaura vai deixar saudade quando partir para o novo destino

É por isso que, quando partir, Isaura fará falta a companhias como a auxiliar administrativa que recebia calorosos cumprimentos ao chegar no trabalho ou a responsável pela limpeza do Salgado Filho que — esquecendo-se da surdez — cuidava para não bater a vassoura contra o banco em que a senhora dormia. 

Tinha medo de despertá-la daquele profundo sono, de uma média de quatro horas duvidosamente confortáveis. Revigorantes, para Isaura.

Quando o sol se despedir, no fim da tarde desta quinta-feira, Isaura embarcará com ele. O destino é Brasília — aeroporto que escolheu como base. Reunirá as duas malas onde guarda poucas mudas de roupa, papeis e canetas para confeccionar cartazes e algumas bíblias.

Deixará em solo gaúcho apenas a boa lembrança. E a frase que insistentemente permanecerá na memória de quem a conheceu:

— Eu sou a velhinha mais feliz do planeta.

A rotina

Banho - As poucas horas em que dorme só são merecidas após um demorado banho de pano e sabonete, que sempre acontece durante a madrugada para não incomodar ninguém. O cabelo, já curto para não atrapalhar, é lavado na pia com a ajuda de um copo plástico.

Sono - Em Porto Alegre, fez de um dos assentos próximos à escada rolante, no terceiro piso, a sua cama. Ela posiciona a bolsa sobre um dos braços do banco, coloca a bíblia em cima e apoia a cabeça. Para dormir, recolhe os pés desafiando o pequeno espaço disponível sobre o assento.

Alimentação - Não toma café da manhã, acostumou-se sem. Mas o que chama de carência alimentar bate por volta das 11h, quando se dirige a restaurantes onde consegue descontos e, por vezes, até comida de graça. À noite, é a vez de um pequeno lanche.

Fonte: ZERO HORA

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