Ela foi testemunha de célebres encontros num amplo e famoso
apartamento de Copacabana, no Rio. Encontros que poderiam ter mudado a
história do Brasil.
Com um sorriso acolhedor, Cacilda Guedes de Andrades recepcionou
caciques políticos e líderes da esquerda em ascensão. Homens de terno e
gravata que depois se tornariam figuras marcantes no cenário nacional.
Brizola com o deputado federal Miro Teixeira: pausa para o famoso café
Enquanto eles festejavam a anistia e discutiam a redemocratização do país, num ambiente regado a café e sonhos de mudança, ela esquentava água na cozinha de uma das residências mais movimentadas da Avenida Atlântica na década de 1980.
Cacilda, hoje com 89 anos, foi governanta de Leonel Brizola e Neusa
Goulart Brizola durante oito anos no Rio. Entre 1980 e 1988, a simpática
senhora de cabelos brancos serviu políticos, artistas, reis e
presidentes.
Conheceu Lula antes da consagração e madrugou para atender
os pedidos de café do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) durante a
conclusão do projeto do Sambódromo.
O príncipe Charles e a princesa Diana também se renderam ao pretinho
saboroso feito à moda antiga. Até hoje Cacilda passa o café no coador de
pano.
— Foi muito gostoso para mim. Conheci tanta gente importante que ia
lá conversar com o doutor Brizola.
Eu sempre os recebia na porta e
depois servia o cafezinho — lembra.
Único filho vivo de Brizola, o engenheiro João Otávio, 60 anos, lembra dela com gratidão:
— Temos o maior carinho por ela, é uma pessoa fabulosa. Ajudou muito meu pai e minha mãe na volta do exílio.
Cacilda mora com a família numa casa de madeira no tranquilo bairro
Jardim do Prado, em Taquara, a 72 quilômetros da Capital. A última vez
em que viu o antigo patrão foi no aniversário de 80 anos dela, em 8 de
abril de 2004. Ao levantar os olhos e avistar a velhinha que o aguardava
na porta do carro, Brizola afirmou surpreso:
— Dona Cacilda, mas é a senhora. Olha, eu quero que tu voltes para lá!
Dois meses e 13 dias depois, Brizola morreria aos 82 anos. Naquele 21
de junho de 2004, parte da história de dona Cacilda se foi também. Mas
na memória da governanta, o ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio
de Janeiro continua vivo em fotos, lembranças e histórias.
Confira momentos em que Cacilda serviu autoridades na casa de Leonel Brizola:
O dia em que ela dobrou o rei
Embora não revele o segredo, o cafezinho que Cacilda faz alongou
muitas conversas de políticos, foi fundamental na costura de acordos,
recebeu elogios das realezas espanhola e inglesa e até dobrou a
resistência inicial de um rei nacional, Pelé.
— Pelé me cumprimentou, mas a princípio não queria. Quando retornei com a bandeja para servi-los, Brizola disse:
— Toma, que esse da dona Cacilda tu vais gostar.
Figura polêmica, o cantor e ex-deputado federal Agnaldo Timóteo entrava cantando no apartamento, lembra ela.
Lula, quem diria, não deixou boa impressão
De Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Darcy Ribeiro a Doutel de
Andrade e Marcelo Alencar, líderes da política brasileira se reuniam nos
salões de sofás e poltronas confortáveis. O então líder sindical e
fundador do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, esteve algumas vezes no
apartamento de Brizola. Mas o futuro presidente da República não deixou
boa impressão.
— Ele entrou e não me cumprimentou, me tratou como se fosse um animalzinho — recorda a governanta.
Realeza, aqui tem café no bule!
Era difícil guardar o nome de tanta gente, mas alguns dona Cacilda
jamais esquecerá. O rei Juan Carlos e a rainha Sofia, da Espanha, e o
príncipe Charles e a princesa Diana, da Inglaterra, também provaram do
famoso café. E gostaram.
Sempre discreta, Cacilda trazia o pretinho na quentura certa em
xícaras ordenadas harmoniosamente na bandeja. O aroma ficava no ar:
— Apenas servi, não falei com eles, mas acho que gostaram — diz.
Mitterrand, Fidel Castro, Mário Soares...
Presidente de honra da Internacional Socialista, Brizola vez por
outra recebia chefes de Estado, como François Mitterrand, da França,
Fidel Castro, de Cuba, e Mário Soares, de Portugal.
A presença de presidentes de nações importantes na residência do
casal também ficou gravada na memória da governanta. A ponto de anos
depois, em casa, ao lado da família em Taquara, ela reconhecer uma
autoridade sempre que esta aparecia no noticiário da TV.
— Ela olhava e dizia: "Aquele ali esteve lá em casa" — afirma a nora, Laura Fagundes.
Niemeyer e as curvas do Sambódromo
No meio da conversa, dona Cacilda declara: "Eu também ajudei a
construir o Sambódromo". Mas logo ela se apressa em explicar como
contribuiu para o surgimento do símbolo do Carnaval carioca.
— Brizola e a equipe dos arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa
passavam madrugadas debruçados sobre o projeto. Então eu não podia
dormir. Ficava em pé, encostada na parede da cozinha. Lá pelas duas,
três horas da manhã, Brizola pedia mais cafezinho — conta.
Fonte: ZH on-line
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