sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Vendedor ambulante de mapas insiste em sobreviver, apesar da internet


Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes

São 20h de uma segunda-feira de verão. É hora do chopinho de quem suou a camisa durante o dia. Para Paulo Ricardo, no entanto, a labuta continua. O bar tradicional na “Rua da Ladeira”, centro de Porto Alegre, é parada obrigatória do trabalho dele. Com 25 mapas enrolados embaixo do braço, ele aborda os bebedores.

– Tenho mapa de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, do Brasil. Se encomendar, eu consigo qualquer mapa.

– Consegue até de São Paulo?

– Sim, e de Santa Catarina, da Bahia, do Paraná.

Cada mapa, desses grandes, tipo aqueles que ficam em parede de sala de aula, custa apenas R$ 20. O lucro é pequeno e a procura cada vez menor.

– É a internet e o GPS. Caiu muito.

Paulo Ricardo diz que tem 50 anos, mas de um jeito que parece estar arredondando a idade para baixo e não para cima. De qualquer forma, cerca de 30 deles são dedicados à venda de mapas. Perguntado se é um apreciador do produto que vende, se limita dizer que “tem que gostar” — afinal de contas, é seu trabalho há décadas.


Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Mas se tem algo na atividade de vendedor ambulante que ele gosta é de poder jogar conversa fora com os potenciais clientes. Anuncia que está indo para a Rua Lima e Silva, no bairro boêmio Cidade Baixa, para vender mapas por lá à noite. Despede-se mil vezes, mas sempre volta para conversar mais um pouco. Pensava que jornalista ganhava em média uns R$ 5 mil por mês. Acho que quando revelamos que não era bem assim, se identificou.

Paulo Ricardo queria ser andarilho. Volta e meia sai a andar pela Serra, passa por Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Flores da Cunha, e outras cidades. Para na praça com os mapas e logo vem um fiscal. Cada município tem sua própria fiscalização e não quer saber de gente vendendo qualquer badulaque sem autorização. Eles ameaçam:

– Se não for agora para a rodoviária, vou ter que apreender os mapas!

O vendedor acha que o Rio Grande do Sul tinha que ter uma autorização única para os ambulantes poderem circular por todo o Estado:

– Uma carteira de vendedor transitório – sugere.

Em cima da ladeira onde fica o bar, estão os três poderes do Estado.

– Eu tinha que falar com eles – diz Paulo Ricardo, apontando lá para cima.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Outro obstáculo bem contemporâneo para um vendedor ambulante de mapas é a paranoia por segurança. Paulo Ricardo considera os advogados grandes clientes. Diz que um deles, esses dias, comprou uns quatro de uma vez só. Os enormes prédios do Centro, recheados de escritórios de advocacia são, portanto, lugares cheios de boas oportunidades de venda. Um advogado endinheirado não costuma hesitar em tirar módicos R$ 20 para comprar um bonito mapa de Porto Alegre, por exemplo. O problema é chegar até ele.

– Primeiro tem que convencer o porteiro do prédio, dizer ‘o doutor fulano ta me esperando’. Depois, tem a secretária…

As dificuldades com a profissão carcomida pelo tempo fazem com que Paulo Ricardo cogite mudar de ramo, embora ele não pareça tão sincero assim quando fala nisto. O vendedor de mapas diz que gostaria de trafegar pelos traçados que hoje carrega embaixo do braço como motorista de ônibus, mas este é um desejo distante de ser realizado.

Há pouco tempo, apesar dos percalços financeiros, Paulo Ricardo conseguiu comprar seu primeiro carro, um Escort fabricado em 1986. Reformou todinho, do motor aos pneus. Faltou dinheiro para tirar a carteira de habilitação.

Mesmo com a vontade de trocar a sola do sapato pelo ônibus, mantém a esperança na atual profissão, ao menos da boca para fora. Sempre que ameaçava ir embora, Paulo Ricardo repetia:

– Um dia melhora.

Numa dessas ameaças, se foi mesmo. Subindo a ladeira e se despedindo ao mesmo tempo, sorridente, querendo ficar para conversar mais um pouco. Ficou sabendo que sua história estaria invadindo a concorrente, a internet, mas não deu tanta bola assim.

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